Nasci num tempo em que telefone tinha fio, e se você quisesse falar com alguém, tinha que ligar para a casa dela e torcer para que atendesse.
Naquele tempo, se alguém dissesse “tá ruim”, a resposta era: “então conserta”.
Não havia aplicativo para resolver preguiça, nem botão para pular a parte difícil.
Entre os anos 1970 e 2000, crescemos no improviso.
Aprendemos a brincar com pedaços de madeira, inventar jogos com pedras e latas, fazer cabana com lençol velho.
Se a bola caía no quintal do vizinho bravo, ia alguém buscar — correndo o risco de levar bronca.
Era assim que aprendíamos coragem.
Estudávamos sem Google. Se quisesse saber algo, tinha que ir até a biblioteca, abrir um livro pesado e procurar.
E no caminho, aprendia outras coisas que não estava procurando.
Não sabíamos o nome de cada “síndrome” e “transtorno” que tínhamos — e talvez fosse exatamente isso que nos fazia seguir em frente.
Agora olho para a geração que veio depois de 2000 e vejo que nasceram no algodão.
Têm respostas antes mesmo da pergunta, internet na palma da mão eum mundo que já vem mastigado.
E, mesmo assim, vivem exaustos.
Aprenderam a correr para ganhar medalha, não para fugir do cachorro da rua.
Acostumaram-se ao “sim” antes de aprender o valor do “não”.
Nós caímos, ralamos o joelho e voltamos para o jogo.
Eles tropeçam e chamam a mãe pelo celular.
Não digo que seja culpa deles.
O mundo os entregou prontos: tudo rápido, tudo fácil, tudo seguro.
Mas, às vezes, penso que a segurança demais cria medo, a facilidade demais enfraquece e a certeza demais emburrece. Nós éramos ferro.
Eles… bem, eles ainda estão descobrindo se aguentam sair na chuva sem guarda-chuva.