Os Presentes de Deus

Olho o céu —
e ele me olha de volta.
Estrelas piscam,
soprando segredos antigos
que eu, apressado, esqueço de ouvir.

Sinto o cheiro da chuva chegando.
É aviso, é bênção,
é Deus molhando a terra,
lembrando aos distraídos
que a vida começa no simples.
E termina, também, no simples.

Vejo o sol nascer,
vermelho, dourado, generoso.
Ele não cobra.
Ele não espera.
Ele apenas nasce.
E se oferece.
Todos os dias.

E quando se põe,
se despede em festa,
pintando o céu
com cores que pincéis humanos jamais copiariam.

Deus nos deu espetáculo sem ingresso.
Show diário, infinito,
sem precisar de senha,
sem precisar de conexão,
apenas…
presença.

Mas nós, pobres de nós,
fomos trocando o canto dos pássaros
pelo zumbido das notificações.
O cheiro da terra molhada
pelo cheiro plástico das embalagens.
O calor do sol
pelo brilho frio das telas.

Fomos nos afastando…
tanto,
tanto,
que esquecemos quem somos.

E quanto mais longe da criação,
mais doentes ficamos.
Doentes da alma,
doentes do espírito,
doentes de nós mesmos.

Buscamos preencher o peito
com aquilo que nunca foi feito para preencher.
Likes, curtidas, compras, ruídos…
tentativas vazias de tapar o buraco
que só a natureza,
só Deus,
só o encontro com o verdadeiro Eu
pode curar.

Que eu nunca esqueça
que o maior presente já foi dado.
E não está na vitrine.
Está no vento que sopra,
no céu que dança,
na chuva que abraça,
no silêncio que fala.

Que eu me reconcilie com a criação.
E, ao fazer isso,
me reconcilie comigo.
Com Deus.
Com a vida.

Porque tudo já era perfeito.
Nós é que nos distraímos demais.

Renato Paes Leme

Relacionados

O Cristo com C maiúsculo

Há um Cristo sendo vendido por aí.Um Cristo de vitrine, envernizado, bonitinho, domesticado. Um Cristo que não exige, não confronta, não transforma. Um Cristo feito

Leia mais →